Publicado pela primeira vez em 1988, o livro Mário contra Macunaíma – revisto e atualizado para esta nova edição - é uma referência para o estudo da gestão cultural de Mário de Andrade e suas multifacetas
Por Isaura Botelho*
Encantei-me com o Mário contra Macunaíma de Carlos Sandroni desde que o recebi das mãos de seu pai, Cícero Sandroni. Naquele momento, fim dos anos 1980, havia poucos estudos sobre a passagem de Mário de Andrade pelo Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Apesar dos anos passados e das publicações voltadas para os estudos sobre política cultural que surgiram depois, ele segue atual e necessário.
Mérito do autor, que nos propicia uma leitura agradável, fazendo um exame minucioso das relações entre as diversas produções daquele que se reconhecia como um ser de múltiplas facetas: “eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta”. Sua análise de texto detalhada rastreia, no conjunto da obra literária, elementos que promovem o diálogo entre o literato e o Mário-gestor, desvelando aspectos que se iluminam mutuamente.
Sandroni aponta que o Mário organizador da cultura, mesmo que presente desde 1922, tem seu ápice na criação do Departamento de Cultura. Apesar de sua brevidade, as políticas implantadas por ele continuam sendo um exemplo ambicioso de gestão cultural e foram, sem dúvida, a primeira tentativa de uma política pública de cultura no Brasil, adotando o que se convencionou chamar de dimensão antropológica da cultura, que considera os modos de vida, as tradições e a produção de sentidos e símbolos.
Na interpretação do pesquisador, Mário sabia que um conceito abrangente de cultura cria a “necessidade, até hoje presente, de afirmar que determinadas coisas ‘são cultura’”, motivada “pela contradição entre a vagueza do termo e a necessidade de especificá-lo para fins administrativos e burocráticos”. Este dilema encontra eco ainda hoje: quando da recente aplicação da Lei Aldir Blanc, cerca de 35% dos municípios devolveram os recursos a eles devidos, por não reconhecerem a existência de cultura em seus territórios.
Por fim, outro aspecto caro a Mário de Andrade: o senso de utilidade. Sob diversas formas, o mote aparece como “uma verdade necessária e útil” ou, ainda, em sua preocupação em “sempre me conservar utilitário”, o que traz como consequência ser “necessário sacrificar ambições pessoais em prol de metas coletivas e institucionais”.
Forçada nesta breve apresentação a um mergulho seletivo na rica análise de texto realizada por Sandroni, lembro o quanto Mário se preocupava em dar instrumentos técnicos para futuras gerações. Acredito que este livro em muito contribuirá para essa cruzada.
*ISAURA BOTELHO, doutora em ação cultural, atuou no Ministério da Cultura entre 2003 e 2005. Consultora de cursos na área de Gestão Cultural e autora, entre outros, de Dimensões da cultura e Romance de formação: Funarte e política cultural.
O texto foi originalmente publicado na orelha do livro.
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:: trecho do livro